Ato IV

01-10-2010 21:08

 

CENA I

 

Uma rua de Westminster. Entram dois gentis-homens, que se encontram.

 

PRIMEIRO GENTIL-HOMEM — Mais uma vez, bem-vindo.

SEGUNDO GENTIL-HOMEM — Como vós.

PRIMEIRO GENTIL-HOMEM — Viestes tomar lugar, porque a Lady Ana possais ver, quando vier da coroação?

SEGUNDO GENTIL-HOMEM — Perfeitamente. Ao nosso último encontro deixava o tribunal o grande Duque de Buckingham.

PRIMEIRO GENTIL-HOMEM — Porém naquele dia tudo era só tristeza. Hoje, por toda parte reina a alegria.

SEGUNDO GENTIL-HOMEM — E com razão. Os cidadãos revelam plenamente que dedicados são ao rei e ao trono. Façamos-lhe justiça; sempre se acham prontos a celebrar esta efeméride com representações, troféus e emblemas.

PRIMEIRO GENTIL-HOMEM — Mas nunca festivais houve tão belos, isso asseguro, nem mais adequados.

SEGUNDO GENTIL-HOMEM — Se desculpardes a pergunta, posso saber que papel é esse?

PRIMEIRO GENTIL-HOMEM — Ora, sem dúvida. É a relação dos que vão pedir hoje novos postos, de acordo com o costume dia coroação. É o primeiro o Duque de Suffolk, que deseja ser nomeado grão-senescal; o Duque de Norfolk vem depois, como conde-marechal. Lede o resto vós mesmo.

SEGUNDO GENTIL-HOMEM — Agradecido; se eu já não conhecesse esse costume, vosso papel muito útil me seria. Mas, por favor, dizei-me: que foi feito de Catarina? Falo da princesa viúva. Em que pé está o seu negócio?

PRIMEIRO GENTIL-HOMEM — Poderei informar-vos. O Arcebispo de Cantuária, com vários outros membros reverendos e sábios de sua ordem, reuniu uma corte de justiça há pouco, em Dunstable, distante só seis milhas de Ampthill, onde a princesa está morando, a qual diversas vezes foi citada, mas não apareceu. Para ser breve: por causa de sua ausência e dos escrúpulos recentes do monarca, proclamado foi o divórcio por geral consenso dos sábios personagens, sem efeito tendo ficado o casamento de ambos. Transferida depois foi ela para Kimbolton, onde agora se acha doente.

SEGUNDO GENTIL-HOMEM — Pobre senhora!

(Toque de trombetas.)

Toque de trombetas! Basta, basta! A rainha vem chegando.

(A ordem do cortejo). (Oboés.)

1 — Dois juizes.

2 — O Lorde Chanceler, precedido da bolsa e da maça.

3 — Coristas cantando.

(Música.)

4 — O prefeito de Londres, com a maça; depois, o rei de armas, em traje de rigor, trazendo na cabeça uma coroa de cobre dourado.

5 — O Marquês Dorset, com um cetro de ouro, trazendo na cabeça uma meia coroa de ouro. Com ele vem o Conde de Surrey com o bastão de prata encimado por uma pomba, trazendo na cabeça uma coroa de conde; ao pescoço, colar da ordem, em forma de SS.

6 — O Duque de Suffolk, com seu manto de Estado, coroa pequena na cabeça, empunhando a varinha branca do grão-senescal. Com ele, o Duque de Norfolk, com o bastão de marechalato e coroa pequena. Colar de SS.

7 — Um dossel carregado por quatro barões dos Cinco-Portos; sob ele, a rainha, em traje de cerimônia; está coroada e com os cabelos enfeitados de pérolas. Ladeiam-na os Bispos de Londres e de Winchester.

8 — A velha Duquesa de Norfolk com uma grinalda de flores de ouro, sustentando a cauda da rainha.

9 — Numerosas damas nobres ou condessas com simples aros de ouro na cabeça, sem flores.

(Atravessam o palco em ordem e com solenidade.)

SEGUNDO GENTIL-HOMEM — Por minha vida! um séquito admirável! Conheço aqueles. Quem carrega o cetro?

PRIMEIRO GENTIL-HOMEM — O Marquês Dorset; o bastão é o Conde de Surrey que carrega.

SEGUNDO GENTIL-HOMEM — É um gentil-homem nobre e valente. E aquele, porventura não será o Duque de Suffolk?

PRIMEIRO GENTIL-HOMEM — O mesmo; como grão-senescal.

SEGUNDO GENTIL-HOMEM — E esse, milorde de Norfolk?

PRIMEIRO GENTIL-HOMEM — Ele mesmo.

SEGUNDO GENTIL-HOMEM — (olhando para a rainha) — O céu te ampare! Tens o mais belo rosto que eu já vi. Senhor, por minha vida, ela é um anjo. No braço leva o rei ambas as Índias, sendo muito mais rico, oh! sem medida, quando nos braços cinge esta senhora. Não censuro a consciência do monarca.

PRIMEIRO GENTIL-HOMEM — Os que sobre ela o baldaquim sustentam, são quatro dos barões de Cinco-Portos.

SEGUNDO GENTIL-HOMEM — Que homens felizes! e assim todos quantos se encontram perto dela. E acaso aquela que lhe segura a cauda do vestido não será a veneranda e nobre dama, a Duquesa de Norfolk?

PRIMEIRO GENTIL-HOMEM — Ela mesma, como condessas são todas as outras.

SEGUNDO GENTIL-HOMEM — As coroas o dizem. São estrelas todas elas; algumas, em declínio.

PRIMEIRO GENTIL-HOMEM — Sobre isso não falemos.

(Sai a procissão ao toque estridente de fanfarras.)

(Entra um terceiro gentil-homem.)

Deus vos salve, senhor! Onde ficastes tão assado?

TERCEIRO GENTIL-HOMEM — Na abadia, onde o povo se aglomera de modo tal, que nem um dedo fora possível meter lá. Quase me matam com tanta exuberância de alegria.

SEGUNDO GENTIL-HOMEM — Vistes a cerimônia?

TERCEIRO GENTIL-HOMEM — Vi.

PRIMEIRO GENTIL-HOMEM — E o jeito?

TERCEIRO GENTIL-HOMEM — Mui digno de ser visto.

SEGUNDO GENTIL-HOMEM — Bom amigo, contai-nos como foi.

TERCEIRO GENTIL-HOMEM — Do melhor modo que possível me for. Tendo a rainha levado até um lugar no coro, a esplêndida onda de nobres damas e senhores um tanto se afastou. Lá, Sua Graça sentou-se um pouco, cerca de meia hora, num trono rico, ao povo patenteando toda a sua beleza. Acreditai-me, senhor: ela é a mulher mais admirável que ao lado já dormiu de qualquer homem. Quando o povo a admirou assim de perto, levantou-se um barulho como fazem as enxárcias num mar em tempestade, assim violento e vário: chapéus, mantos, creio que até casacos, tudo voava. E se as cabeças fixas não se achassem, nesse dia perdidas ficariam. Nunca vi tanto júbilo; mulheres grávidas, na semana já do parto, como os velhos aríetes de guerra, entre a turba se metiam, brechas abrindo facilmente. Não podia ninguém dizer: “Minha mulher é aquela”, de tal maneira entrelaçados todos num só bloco se achavam.

SEGUNDO GENTIL-HOMEM — E após isso?

TERCEIRO GENTIL-HOMEM — Finalmente Sua Graça levantou-se e com passos modestos dirigiu-se para o altar, ajoelhou-se e, na postura de uma santa, no céu fitando os olhos, rezou devotamente. Levantando-se, fez uma reverência para o povo. Após isso, o Arcebispo de Cantuária lhe deu as reais insígnias de seu posto: o óleo sagrado, a coroa que já fora de Eduardo, o Confessor, a vara, a pomba da paz e todos os demais emblemas nobremente ao seu lado foram postos; logo depois, o coro, acompanhado da música melhor de todo o reino cantou o Te Deum. Assim foi ela embora, com a mesma cerimônia com que viera, para o palácio de York, onde festejos se estão realizando.

PRIMEIRO GENTIL-HOMEM — Doravante, senhor, já não será palácio de York. Isso foi no passado, pois o título com a queda do cardeal ficou extinto. Ora é do rei e o nome de Whitehall.

TERCEIRO GENTIL-HOMEM — Perfeitamente. Porém tão recente foi a mudança, que seu velho nome me ocorre mais amiúde.

SEGUNDO GENTIL-HOMEM — Qual o nome dos dois bispos tão graves que marchavam ao lado da rainha?

TERCEIRO GENTIL-HOMEM — Stokesly e Gardiner, um, Bispo de Winchester; foi promovido; secretário do rei era até há pouco. O outro, Bispo de Londres.

SEGUNDO GENTIL-HOMEM — O de Winchester não é tido na conta de afeiçoado ao arcebispo, o virtuoso Cranmer.

TERCEIRO GENTIL-HOMEM — Todo o país sabe isso. Por enquanto, porém, a divergência ainda é pequena. Mas se vier a aumentar, há de achar Cranmer um amigo que nunca há de deixá-lo.

SEGUNDO GENTIL-HOMEM — Quem pode ser? Dizei-me.

TERCEIRO GENTIL-HOMEM — Tomás Cromwell, pessoa que desfruta de muito alto prestígio junto ao rei; amigo certo, sem dúvida nenhuma. O rei fez dele o avaliador de seu real tesouro, já tendo sido nomeado para seu conselho privado.

SEGUNDO GENTIL-HOMEM — Há de outros postos elevados obter.

TERCEIRO GENTIL-HOMEM — Sim, nem há dúvida. Vamos juntos, senhores; vou à corte; ali sereis meus hóspedes; disponho de alguma autoridade. De caminho, sobre isso falaremos mais de espaço.

AMBOS — Estamos, meu senhor, às vossas ordens.

(Saem.)


 

CENA II

 

Kimbolton. Entra a ex-Rainha Catarina, doente, conduzida por Griffith e Paciência.

 

GRIFFITH — Como se sente agora Vossa Graça?

CATARINA — Oh Griffith! É mortal minha doença. Como galhos de chumbo tenho as pernas, dobradas para a terra e desejosas de se desvencilharem de seu fardo. Trazei-me uma cadeira. Assim; agora me sinto mais a gosto. Não disseste, Griffith, quando me vinhas amparando, que esse famoso filho da grandezas o Cardeal Wolsey, tinha falecido?

GRIFFITH — Disse, minha senhora; mas pensava que ouvido não me tinha Vossa Graça, em virtude de vossos sofrimentos.

CATARINA — Conta-me, por obséquio meu bom Griffith, de que modo morreu. Se morreu bem, partiu na minha frente certamente para me dar exemplo.

GRIFFITH — Todos dizem, senhora, que foi bem. Após ter sido detido em York pelo altivo Conde Northumberland e conduzido para justificar-se das mais graves culpas que pesavam sobre ele, mui de súbito sentiu-se doente e de tal modo fraco que nem pode montar em sua mula.

CATARINA — Pobre homem!

GRIFFITH — Finalmente, a muito custo, Leiscester alcançou, tendo apeado na abadia, onde foi bem recebido pelo abade com todos os seus monges, a quem falou assim: “Ó padre abade, um ancião alquebrado pelas grandes tempestades do Estado, aqui se encontra para entre vós deixar os lassos ossos. Por caridade, concedei-lhe ao menos uma pouca de terra”. Conduziram-no sem mais delongas para a cama, tendo feito a doença rápido progresso. E, já bem fraco, na terceira noite, pelas oito horas — que ele próprio havia predito que sua última seria — arrependido, em lágrimas banhado, contínuo meditar e ininterruptas preocupações, restituiu ao mundo suas pompas, ao céu a imortal parte, e adormeceu em paz.

CATARINA — E assim repouse Que não lhe pesem suas grandes faltas. Mas uma coisa, Griffith, me permite que a seu respeito eu diga, sem faltar-lhe com a caridade. Ele era um indivíduo de orgulho desmedido, que gostava de se ombrear com os príncipes, um homem que por meios secretos conseguira dominar todo o reino. A simonia para ele era o normal; seu próprio arbítrio, toda a lei. Até mesmo ante a evidência assoalhava mentiras; sempre dobre nas intenções e em tudo o que dizia. Piedade não mostrava, salvo quando premeditava arruinar alguém. No prometer, magnífico, tal como era ele então; mas, quanto a realizá-las, tal como é agora: nada. Pecou muito na própria carne, dando, assim, exemplo péssimo a todo o clero.

GRIFFITH — Nobre dama, os defeitos dos homens são gravados no bronze, mas as boas qualidades escrevemo-las na água. Vossa Alteza permitirá que bem eu fale dele?

CATARINA — Pois não, bondoso Griffith; de outro modo, maldosa eu me mostrara.

GRIFFITH — Esse cardeal, apesar de sua origem muito humilde, foi fadado, decerto, desde o berço para altas honrarias. Foi um sábio maduro e mui capaz, de extraordinária sagacidade, sempre bem falante e de grande poder de persuasão. Áspero e altivo para os desafetos, mas, como o estio, doce para todos os que o iam procurar. E muito embora no adquirir ele fosse incontentável — o que é grande pecado — revelava-se principesco no dar, nobre senhora. Sempre hão de provar isso esses dois gêmeos da ciência que ele para vós criou: Oxford e Ipswich; um, que caiu com ele, por não querer sobreviver ao próprio benfeitor; o outro, embora ainda incompleto, de marcha ascensional tão admirável, que nunca deixará a cristandade de tecer-lhe elogios. Sua queda fez sobre ele chover felicidades, pois a partir daí — nunca antes disso — pode adquirir consciência de si próprio, felicidade achando na ventura de ser pequeno, o que lhe deu mais honras à velhice que os homens o fariam. Morreu temente a Deus.

CATARINA — Depois de eu morta, não desejo outro arauto, mais brilhante relator de meus atos, porque fique da corrupção minha honra sempre isenta, do que um cronista honesto como Griffith. Quem em vida eu odiei, tu me obrigaste, com tão pia modéstia e reverência, a honrar depois de morto. Em paz descanse. Fica perto de mim, Paciência; deixa-me mais baixa um pouco; não vou dar-te incômodo por muito tempo mais. Bondoso Griffith, aos músicos ordena que ora toquem a ária tristonha que eu chamar costumo de meu dobre funéreo, pois sentada me quedarei a meditar naquela celestial harmonia que mui breve terei de conhecer.

(Música triste e solene.)

GRIFFITH — Está dormindo. Sentemo-nos, menina, bem quietinhos, para não despertá-la. Sem barulho, gentil Paciência.

(A visão. Entram solenemente, uma após outra, seis personagens, vestidas de branco, com grinaldas de louro na cabeça e máscara de ouro no rosto; nas mãos trazem palmas de louro. Saúdam primeiro a rainha e depois dançam; a determinadas mudanças de figura, as duas primeiras sustentam sobre a cabeça da rainha uma grinalda pequena, ao tempo em que as outras quatro se inclinam com reverência. Depois, as duas que seguram a grinalda a passam para as duas seguintes, que observam a mesma ordem na mudança dos passos, mantendo-a sobre a cabeça da rainha. Depois, passam-na para as duas últimas, que repetem a cerimônia, com o que — como que por inspiração — a rainha faz no sono sinais de aprovação e levanta as mãos para o céu. As aparições, sem parar de dançar, desaparecem, levando a grinalda. A música continua.)

CATARINA — Espíritos da paz, para onde fostes? Já desaparecestes e na minha miséria me deixastes?

GRIFFITH — Aqui estamos, minha senhora.

CATARINA — Não falei convosco. Vistes alguém entrar durante o tempo em que a dormir fiquei?

GRIFFITH — Ninguém, senhora.

CATARINA — Não? Não vistes entrar neste momento um coro de anjos que me convidavam para um banquete? De brilhantes rostos, me iluminavam como o sol radioso, felicidade eterna me auguraram, lindas grinaldas me trouxeram, Griffith, que eu de aceitar ainda não sou digna. É cedo, porventura.

GRIFFITH — Regozijo-me por ver, senhora, que tão belos sonhos vos prendem os sentidos.

CATARINA — Manda a música parar; é dura e deixa-me abatida.

(Cessa a música.)

PACIÊNCIA — Notastes a mudança que de súbito Sua Graça apresenta? Como o rosto ficou mais longo! Como ela está pálida e fria como argila! Os olhos vede-lhos!

GRIFFITH — Está morrendo, filha. Reza! Reza!

PACIÊNCIA — Possa o céu ampará-la.

(Entra um mensageiro.)

MENSAGEIRO — Se Vossa Graça...

CATARINA — Sois impertinente. Não merecemos mais respeito, acaso?

GRIFFITH — Censura mereceis, pois bem sabendo que ela abdicar não quer da costumeira majestade, falais com tal rudeza. Ajoelhai! Ajoelhai!

MENSAGEIRO — Humildemente peço perdão a Vossa Majestade. A pressa foi que me deixou grosseiro. Ai fora há um gentil-homem que deseja falar-vos. Vem da parte do monarca.

CATARINA — Griffith, manda-o entrar, mas que este tipo eu enxergar não torne.

(Saem Griffith e o mensageiro.)

(Volta Griffith com Capúcio.)

Se minha vista não me engana, da parte agora vindes do imperador, meu muito real sobrinho, e vos chamais Capúcio.

CAPÚCIO — Ele, senhora, servidor vosso.

CATARINA — Ó meu senhor, os tempos e os títulos mudaram muito, muito, desde que me ficastes conhecendo. Mas, por obséquio, que quereis de mim?

CAPÚCIO — Em primeiro lugar, nobre senhora, a Vossa Graça oferecer meus préstimos; depois, o rei determinou que eu viesse fazer esta visita. Muito aflito ele está por saber-vos assim fraca e por meu intermédio vos envia suas reais condolências, desejando sinceramente que crieis coragem.

CATARINA — Ó meu senhor! Este encorajamento me chega muito tarde; é como graça depois da execução. Esse remédio benigno, administrado em tempo certo, me teria curado. Mas agora, consolo algum me serve, se excetuarmos apenas a oração. E Sua Alteza como passa?

CAPÚCIO — Senhora, com saúde.

CATARINA — Que continue assim, florente sempre, quando eu morar com os vermes e meu pobre nome estiver banido deste reino. Paciência, foi enviada aquela carta que eu te mandei fazer?

PACIÊNCIA — Ei-la, senhora.

(Entrega a carta a Catarina.)

CATARINA — Senhor, humildemente vos conjuro a entregar isto ao rei, meu soberano.

CAPÚCIO — De bom grado, senhora.

CATARINA — Recomendo nela à sua bondade a vera imagem de nosso casto amor, a filha dele — que em bênçãos incessantes caia o orvalho sempre do céu sobre ela! — e lhe suplico que lhe ministre educação virtuosa. É muito nova e de modesta e nobre natureza, esperando eu que ela saiba praticar a virtude, e que um pouquinho de amor lhe vote em consideração da mãe que o amou tão ternamente como só do céu é sabido. O outro pedido que humildemente faço é que Sua Graça tenha piedade destas infelizes mulheres que durante tanto tempo me acompanharam, sempre dedicadas, na fortuna variável, não havendo, posso afirmá-lo — e nisso falsidade não poderei dizer — nenhuma delas que, por virtudes e beleza da alma, honestidade e nobre compostura não mereça um marido de alto mérito. Que seja nobre, até, pois, em verdade, serão felizes os que as escolherem. Meu último pedido é para os criados. Pobres são todos, mas de mim não pode tirar nunca a pobreza nenhum deles. Sejam-lhes pagos, pois, os ordenados, sem falta alguma, com algum acréscimo, como recordação de minha parte. Se um pouco mais de vida o céu me houvesse concedido, e recursos, nos teríamos despedido melhor. Eis toda a carta, senhor. Por tudo quanto neste mundo tendes de caro, pela paz cristã que desejais aos mortos, sede amigo destes coitados, insistindo junto do soberano, para que ele esta última justiça me conceda.

CAPÚCIO — Pelo céu, assim farei, ou despojar-me quero desta figura humana.

CATARINA — Agradecida, muito digno senhor. Humildemente falai de mim a Sua Majestade. Dizei-lhe que já vai deixar o mundo o autor de seus cuidados demorados. Contai-lhe que eu o abençoei na morte, pois vou fazê-lo. Tenho os olhos turvos. Adeus, senhor; Griffith, adeus. Paciência, não, não saias ainda. Chama as outras; preciso ir para a cama. Estando eu morta, boa menina, trata-me com honra. Virginais flores põe no meu sepulcro, para que todos saibam que uma esposa casta eu fui até à morte. Embalsamai-me e exibi-me. Conquanto não rainha, como rainha quero que me enterrem, como filha de rei. Não posso mais...

(Saem, levando Catarina.)

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